CRESCEMOS UMA ALEMANHA NO MAR

Ernesto São Thiago – CRESCEMOS UMA ALEMANHA NO MAR

Ernesto São Thiago Opinião

Ernesto São Thiago é advogado atuante em Direito da Orla
e consultor em desenvolvimento náutico.
“As opiniões expressas neste artigo/coluna são de responsabilidade exclusiva do autor
e não refletem necessariamente o ponto de vista deste veículo.”

O território do Brasil cresceu. Em 27 de fevereiro de 2025, a ONU, por meio da Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLCS), aprovou a submissão brasileira referente à Margem Equatorial. O documento oficial, divulgado pela Divisão de Assuntos Oceânicos e do Direito do Mar (imagem acima), reconhece ao Brasil soberania sobre aproximadamente 200 mil km² de plataforma continental estendida — o equivalente ao território da Alemanha.

Esse novo espaço sob jurisdição econômica exclusiva impõe obrigações. É preciso projetar poder naval — capacidade militar para defender a soberania com fragatas, submarinos e vigilância ativa — e, paralelamente, projetar poder marítimo, conceito mais amplo que envolve toda atividade econômica, logística, científica e diplomática voltada ao uso estratégico do mar.

Não basta sermos uma nação com mar. Precisamos ser uma nação marítima.

Essa consciência estratégica não é nova. Entre 1919 e 1923, a missão do cruzador Bonifácio, sob comando do Capitão de Corveta Frederico Villar, percorreu o litoral brasileiro, fundando colônias de pescadores, escolas e postos de saúde, organizando a pesca nacional e integrando as comunidades ao projeto nacional. Era o poder marítimo exercido pela presença, cidadania e ocupação organizada.

Hoje, cem anos depois, assistimos ao contrário. A pesca brasileira definha de norte a sul. Portos antes pujantes, como Santos e Guarujá, tornaram-se cemitérios de embarcações abandonadas. A frota pesqueira nacional é obsoleta, pequena e enfraquecida por falta de crédito, políticas industriais sólidas e apoio governamental consistente.

Em paralelo, sofremos com uma legislação ultrapassada que criminaliza a atividade pesqueira nacional sem base científica. Decisões recentes, como a proibição estadual da pesca de arrasto de camarão no Rio Grande do Sul, contrastam absurdamente com países como a Argentina, que utilizam o mesmo sistema com sucesso comercial e ainda exibem certificações internacionais de sustentabilidade, como a do Marine Stewardship Council (MSC). Aqui se criminaliza o que lá se premia.

Para agravar ainda mais a situação, o governo federal anunciou recentemente a isenção total de impostos para a importação de sardinha enlatada, repetindo erros históricos que quebraram a indústria pesqueira nacional. Na tribuna do Senado, o senador Jorge Seif Jr. denunciou a medida, alertando que compromete diretamente 25 mil empregos diretos e 42 mil indiretos ligados à indústria nacional da sardinha, afetando milhares de pescadores que dependem da atividade.

Enquanto isso, potências extra-regionais como Espanha, Japão, Rússia e China projetam poder marítimo muito além de suas águas territoriais justamente com frotas pesqueiras modernas, robustas e apoiadas por seus governos como instrumentos estratégicos e geopolíticos. Esses países utilizam sua pesca não só como fonte econômica, mas como meio de ampliar influência global. Em contraste, o Brasil não domina sequer plenamente sua própria Zona Econômica Exclusiva. É recorrente o relato de pescadores nacionais sobre embarcações estrangeiras flagradas pescando ilegalmente em nosso limite territorial, invadindo impunemente nossas águas.

Nesse cenário, enfraquecer nossa frota pesqueira significa diretamente reduzir nossa soberania marítima e enfraquecer nossa capacidade de projeção estratégica. É indispensável retomar urgentemente políticas públicas que estimulem a construção naval voltada à pesca, garantam linhas específicas de crédito, incentivem certificações internacionais, e modernizem a legislação pesqueira com embasamento científico e respeito à realidade das comunidades pesqueiras brasileiras.

Ao mesmo tempo, torna-se essencial dar continuidade e ampliar programas estratégicos militares já em curso, como o das Fragatas Classe Tamandaré e do Submarino com Armamento Convencional e Propulsão Nuclear, instrumentos fundamentais para assegurar o controle efetivo, a vigilância e a defesa de nosso território marítimo ampliado.

O Brasil aplica hoje apenas cerca de 1,1% do PIB em defesa, sofrendo cortes sucessivos, como o recente contingenciamento de R$ 128 bilhões. Já a Alemanha, com menos território e uma ZEE muito menor, aprovou um fundo de €500 bilhões para defesa e infraestrutura, superando 2% do PIB. Um país com pouco mar, mas muita visão.

A decisão histórica da ONU ampliou nosso território no mar. Agora, é nosso dever ocupá-lo plenamente, com presença militar efetiva e projeção estratégica do poder marítimo, reconhecendo a pesca nacional como peça-chave desse projeto.

O mar nos pertence. Falta agora fazermos jus a ele.

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