Ernesto São Thiago – A irracionalidade ambiental contra a náutica

Ernesto São Thiago Meio Ambiente Opinião

Ernesto São Thiago é advogado atuante em Direito da Orla
e consultor em desenvolvimento náutico.
“As opiniões expressas neste artigo/coluna são de responsabilidade exclusiva do autor
e não refletem necessariamente o ponto de vista deste veículo.”

Não há como instalar uma marina fora do contato direto com o corpo d’água. Isso é evidente. A estrutura precisa estar na borda — seja na faixa marginal de um rio ou córrego, na faixa no entorno de um lago, lagoa ou laguna, ou na orla marítima — com acesso imediato à lâmina d’água. E essa borda, naturalmente, precisa ser contida com muros ou enrocamentos — como se faz no mundo inteiro — sob pena de erosão, instabilidade e insegurança. Em locais com variação de maré, flutuantes são imprescindíveis. Em grandes espelhos d’água ou no mar, também é comum o uso de enrocamentos para formação de dársenas, garantindo abrigo às embarcações. Essas soluções são técnicas e necessárias, e não agressões ao meio ambiente.

Ainda assim, o Brasil assiste a uma ofensiva irracional contra marinas e estruturas de apoio náutico. Interpretando rigidamente a legislação ambiental, ignora-se o contexto urbano consolidado e os princípios da razoabilidade e da função socioambiental. O uso de marcos temporais arbitrários para definir quem pode ou não permanecer nessas áreas fere a isonomia e desconsidera o impacto ambiental real. Estruturas idênticas são tratadas de forma desigual com base apenas em datas.

Nos rios e córregos, o Código Florestal define APP em faixa marginal. Já nos lagos, lagoas e lagunas, aplica-se a APP da faixa no entorno. Na orla marítima, o Código não define APP contínua, mas protege ecossistemas específicos como manguezais, restingas e dunas. A ocupação da costa deve seguir os parâmetros do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC), com destaque para a Zona de Proteção Costeira (ZPC) e a faixa de 300 metros da linha de preamar máxima — referência administrativa e de planejamento, não proibição absoluta. Ainda assim, há setores do Ministério Público Federal defendendo que se evite qualquer ocupação nessa faixa, mesmo em áreas urbanizadas, como se o litoral brasileiro fosse homogêneo e desabitado.

A cadeia náutica integra a chamada economia azul, estratégica para o desenvolvimento sustentável do país. Criminalizar rampas, flutuantes, contenções e dársenas é ignorar esse potencial e sabotar empregos, turismo, mobilidade aquática e inovação.

Naturalmente, é essencial que essas estruturas sejam precedidas de estudos técnicos sérios, que orientem a escolha do local e a solução de engenharia mais adequada. Da mesma forma, é imprescindível o ordenamento náutico, para arbitrar preventivamente os conflitos entre usos distintos do espelho d’água — como transporte, lazer, pesca, maricultura e esportes aquáticos — com zoneamento, balizamento e diretrizes integradas aos planos urbanos e costeiros.

Por fim, deve-se respeitar a repartição constitucional de competências. Se o município ou estado detém o licenciamento ambiental, não cabe forçar, por judicialização ou ativismo institucional, uma competência que o próprio órgão federal já declinou. A atribuição deve seguir a lei, e não interesses ideológicos ou interpretações casuísticas.

Como disse-me Amyr Klink, certa feita – ao constatar o “deserto náutico” no canal da Ilha de Santa Catarina em um dia de céu de brigadeiro e mar de almirante – o grande entrave do setor é a falta de destinações náuticas. E não há destino sem estrutura. Defender as marinas e demais estruturas de apoio, sempre, onde for possível, é defender o ordenamento costeiro racional, sustentável e funcional. É hora de trocar a lógica da demolição pela lógica da integração.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *