CIDADE PARADA POR ATIVISMO JUDICIAL

Cidade Ernesto São Thiago Opinião

Ernesto São Thiago é advogado atuante em Direito da Orla
e consultor em desenvolvimento náutico.
“As opiniões expressas neste artigo/coluna são de responsabilidade exclusiva do autor
e não refletem necessariamente o ponto de vista deste veículo.”

O processo judicial que discute o licenciamento do Parque Urbano e Marina Beira Mar Norte, em Florianópolis, converteu-se em um exemplo claro de tumulto processual e insegurança jurídica provocada por condução inadequada.

O licenciamento ambiental tramita regularmente no Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina — o IMA, órgão estadual que sucedeu a antiga FATMA. Já a ação civil pública foi proposta pelo Ministério Público Federal pedindo que o licenciamento passasse para o IBAMA, que é o órgão federal. Esse é o único pedido formulado na ação.

Esse pedido, contudo, é indevido. O próprio IBAMA já se manifestou diversas vezes nos autos, sempre reconhecendo que a competência para licenciar é do IMA. Não há qualquer fundamento técnico ou legal que justifique a atuação federal: trata-se de área urbana consolidada, em âmbito apenas estadual, sem interferir com unidades de conservação federais.

Em audiência de conciliação realizada em abril, o atual procurador da República responsável pelo processo declarou, de forma expressa, que concorda com a permanência do licenciamento no IMA. Como a ação não contém pedido alternativo, esse reconhecimento esvazia completamente seu objeto. A ação perdeu sua razão de existir.

O desfecho correto seria a extinção imediata do processo, seja por desistência do Ministério Público Federal, seja por decisão do juiz diante da perda superveniente de objeto. No entanto, o que se viu foi a ampliação do tumulto: o juiz recebeu petição apresentada em nome de um vereador do PT e de um grupo militante, sem qualquer procuração ou explicitação da forma de intervenção no processo. Mesmo assim, mandou que as partes se manifestassem, aceitando informalmente essa manifestação irregular.

O descontrole se agrava ao se constatar que o suposto “laudo técnico” anexado a essa petição foi assinado por um militante político, ex-candidato a vereador pelo PT, que utilizou indevidamente o nome da UFSC sem autorização formal da universidade. A ação virou palco de militância travestida de parecer acadêmico, sem legitimidade nem respaldo técnico.

Se o Ministério Público Federal não apresentar contribuições objetivas, relevantes e consensuais com as partes — o que sequer cabe no escopo dessa ação — o único caminho aceitável é a desistência. E o juiz não pode impedir.

Enquanto isso, o que está travado é um projeto legal, estruturante e de alto impacto positivo para a cidade. O Parque Urbano e Marina Beira Mar Norte prevê 440 mil metros quadrados de espaço público: áreas verdes, lazer, cultura, ciclovias, quadras esportivas, espaço gastronômico, um terminal de transporte marítimo, vagas náuticas públicas para pescadores artesanais, e uma área dedicada à feira livre, inclusive para comercialização de pescado. Tudo isso será viabilizado por investimento 100% privado — sem custo aos cofres públicos.

Florianópolis não pode continuar refém da desorganização processual e de manobras político-partidárias. É hora de restaurar o foco, respeitar a técnica e permitir que a cidade avance.

Em paralelo a todo o tumulto processual instaurado na primeira instância — alimentado por petições irregulares, manifestações políticas disfarçadas de técnicas e omissões do juízo local —, segue pendente de decisão no TRF-4 um ponto essencial: os embargos de declaração interpostos pela JL Marina contra acórdão que determinou nova manifestação do IBAMA antes da reapreciação do pedido liminar formulado pelo Ministério Público Federal.

Essa liminar, pedida no início da ação civil pública, buscava suspender os efeitos do licenciamento ambiental em curso no IMA — Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina — e transferir a competência do licenciamento para o IBAMA, o órgão federal. Contudo, ao julgar o agravo de instrumento do MPF, o TRF-4 acabou concedendo uma medida não requerida por nenhuma das partes: mandou que o juiz de primeiro grau reapreciasse o pedido liminar somente após nova manifestação do IBAMA.

A JL Marina, então, interpôs embargos de declaração, sustentando que a decisão do TRF-4 é extra petita — ou seja, concedeu algo fora do que foi pedido, o que é vedado pelo ordenamento jurídico. O MPF jamais solicitou que o processo fosse devolvido à origem com essa condicionante. Essa construção foi feita pelo próprio tribunal, criando um rito processual novo e não requerido, que vem repercutindo diretamente na confusão instaurada na vara federal de Florianópolis.

Se acolhidos, os embargos poderão corrigir o excesso do TRF-4 e restaurar os limites legais do processo. Até lá, a instabilidade segue, afetando diretamente o andamento regular de um projeto estruturante e legalmente licenciado.

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