Ernesto São Thiago – Suspensão do licenciamento do Parque Urbano e Marina Beira-Mar Norte

Ernesto São Thiago Meio Ambiente

Ernesto São Thiago é advogado atuante em Direito da Orla
e consultor em desenvolvimento náutico.
“As opiniões expressas neste artigo/coluna são de responsabilidade exclusiva do autor
e não refletem necessariamente o ponto de vista deste veículo.”

A recente decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), proferida em 04 de fevereiro de 2025, no Agravo de Instrumento nº 5018942-06.2024.4.04.0000, determinando a suspensão do licenciamento ambiental do Parque Urbano e Marina Beira-Mar Norte, impõe a primeira paralisação a um processo que até então vinha transcorrendo dentro daquilo que se entende como “normalidade” no Brasil, ou seja, de forma burocraticamente lenta, porém sem interrupções formais. O entendimento adotado pelo tribunal, ao exigir que o IBAMA reavalie sua própria manifestação sobre a competência do licenciamento, não se sustenta diante da realidade dos autos, dos precedentes jurisprudenciais, das normas legais e administrativas e da própria jurisprudência administrativa consolidada.

O processo de origem nº 5011369-45.2024.4.04.7200, em trâmite na 6ª Vara Federal de Florianópolis, trata da tentativa do Ministério Público Federal (MPF) de anular o licenciamento estadual e transferir a competência para o IBAMA. Ocorre que o IBAMA já se manifestou formalmente diversas vezes, tanto nos autos quanto em audiências de conciliação, reafirmando de maneira inequívoca que não tem competência para conduzir o licenciamento do Parque Urbano e Marina Beira-Mar Norte, conforme prevê a Lei Complementar nº 140/2011. Essa posição foi reiterada mesmo diante da insistência do juízo de primeira instância, que, em audiência de conciliação, indagou reiteradamente se haveria alguma possibilidade de o IBAMA assumir o licenciamento, seja total ou parcialmente. A resposta do órgão federal foi peremptória na negativa. O empreendimento não se enquadra em nenhuma das hipóteses que justificariam a competência federal, sendo o licenciamento uma atribuição exclusiva do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA-SC).

Apesar disso, o TRF-4 determinou que o IBAMA se manifeste novamente, ignorando o fato de que essa questão já foi exaustivamente esclarecida nos autos e na audiência de conciliação. Essa decisão cria um ambiente de insegurança jurídica desnecessária para um empreendimento que passou por rigorosos trâmites administrativos e cumpriu todas as exigências legais. O IMA-SC concedeu a Licença Ambiental Prévia (LAP) em 22 de dezembro de 2022, e o pedido do MPF para suspender o licenciamento já havia sido negado em primeira instância, uma vez que o próprio juiz reconheceu a competência estadual para conduzir o processo.

O Parque Urbano e Marina Beira-Mar Norte não é um projeto recente, pois resulta de um Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) iniciado em 2015, quando a Prefeitura de Florianópolis estruturou estudos de viabilidade e iniciou tratativas com órgãos e entidades envolvidas. O projeto passou por audiências públicas e obteve aprovação legislativa por meio de uma Lei de Concessão, que autorizou a licitação vencida pela empresa Jota Ele Marina SPE S.A., seguindo todas as exigências legais. Desde então, foram elaborados o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), o EIA-RIMA e os pedidos de Licença Ambiental Prévia (LAP), garantindo que todos os aspectos ambientais fossem analisados e considerados de forma detalhada.

O empreendimento prevê um investimento de R$ 220 milhões, com a expectativa de geração de 650 empregos diretos na fase de construção e um impacto econômico ainda maior na operação. Além da marina, que contará com 621 vagas para embarcações, o projeto inclui um Parque Urbano com áreas de lazer, quadras esportivas, ciclovias e infraestrutura integrada ao futuro sistema BRT da cidade. A marina também prevê 30 vagas públicas e um terminal voltado ao transporte náutico urbano.

A atuação do MPF neste caso é mais um exemplo de como a judicialização excessiva compromete o desenvolvimento de projetos estruturantes em Florianópolis. O órgão já teve seu pedido liminar negado em primeira instância, porém recorreu ao TRF-4 na tentativa de paralisar o empreendimento, mesmo diante da negativa categórica do próprio IBAMA. A insistência em deslocar a competência do licenciamento para o órgão federal revela um padrão de atuação que já prejudicou inúmeros projetos essenciais para a cidade. Florianópolis tem histórico de entraves semelhantes em obras como a Ponte da Fortaleza da Barra, o engordamento das praias e as obras de macrodrenagem, sempre resultando em atrasos significativos e impactos negativos para a infraestrutura e qualidade de vida da população.

A suspensão do licenciamento do Parque Urbano e Marina Beira-Mar Norte não afeta apenas investidores e trabalhadores diretamente envolvidos no projeto. Florianópolis perde a oportunidade de consolidar sua posição como destino turístico e náutico de destaque. A cidade já possui uma demanda consolidada nesse setor e está cada vez mais integrada ao cenário internacional, recebendo um número crescente de voos diretos do exterior. Porém, sem infraestrutura adequada para o turismo náutico, perde competitividade e atratividade.

Esse tipo de judicialização reforça um problema recorrente no Brasil: a insegurança jurídica nos processos de licenciamento ambiental. O excesso de ações judiciais e a morosidade imposta por órgãos públicos criam um ambiente de hesitação para analistas ambientais, que passam a temer contestações e responsabilizações pessoais ao concederem autorizações. Esse cenário leva a um rigor excessivo e paralisa projetos que poderiam estar gerando benefícios concretos para a sociedade, sem comprometer a proteção ambiental.

O IMA-SC tem se debruçado sobre esse processo por tempo excessivo, não devido a falhas técnicas, mas em razão desse ambiente de incerteza institucional. A judicialização de um empreendimento que já passou por estudos ambientais rigorosos, audiências públicas e aprovações legislativas reflete o entrave burocrático que frequentemente paralisa projetos de alto impacto positivo no país.

A questão que se impõe é: quem arcará com os prejuízos causados por mais essa paralisação? O Brasil já enfrenta dificuldades para atrair investimentos privados devido à insegurança jurídica, e esse episódio reforça essa fragilidade. Certamente, os recursos cabíveis serão interpostos, e há uma expectativa de que essa decisão seja reavaliada com base no arcabouço normativo e nos elementos já constantes nos autos. Entretanto, até que isso ocorra, o projeto segue travado, a cidade deixa de contar com uma infraestrutura essencial e a sociedade perde mais uma vez diante de entraves burocráticos e judiciais que poderiam ser evitados. O tempo perdido não será recuperado, e a capital catarinense continua refém de uma estrutura decisória que, em vez de contribuir para seu crescimento ordenado e sustentável, impõe mais um capítulo de paralisação desnecessária.

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