Ernesto São Thiago é advogado atuante em Direito da Orla
e consultor em desenvolvimento náutico.
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A Baía da Babitonga, um dos principais polos portuários de Santa Catarina, finalmente recebe investimentos estruturais essenciais para sua modernização. O mérito da iniciativa é inegável, mas o atraso é evidente. Conforme noticiado pelo blog Upiara – AQUI –, o governo estadual e os portos da região assinaram um contrato para a dragagem do canal de acesso, permitindo a navegação de embarcações maiores e buscando recuperar a competitividade logística perdida ao longo dos anos. Enquanto Santos e Paranaguá já modernizaram seus calados, Santa Catarina apenas agora implementa um projeto que deveria ter sido realidade há pelo menos duas décadas.
O plano prevê o aprofundamento do canal para 16 metros e a suavização de curvas, aumentando segurança e eficiência. Um diferencial inédito no Brasil será a utilização dos sedimentos dragados para a engorda das praias de Itapoá, Figueira e Pontal, ampliando a faixa de areia entre 40 e 60 metros. Esse reaproveitamento do bota-fora da dragagem não só mitiga impactos ambientais, mas fortalece o turismo e a proteção costeira, tornando-se a verdadeira inovação do projeto.
Uma ideia antiga, agora aplicada
Há quase 20 anos, propus uma solução semelhante para Florianópolis, ao lado do amigo e oceanógrafo Lindino Benedet, especialista em engenharia costeira. Com doutorado pela Delft University e atuação em grandes projetos internacionais, Benedet é fundador da Coastal Protection Engineering LLC, na Flórida. Nossa proposta previa o uso dos sedimentos da Bacia de Evolução e do Canal de Acesso ao Terminal de Cruzeiros de Canasvieiras – até hoje no papel – para restaurar praias do norte da Ilha de Santa Catarina. A iniciativa, que aliava dragagem e gestão costeira sustentável, não avançou devido à burocracia e à falta de prioridade do poder público.
Agora, essa abordagem começa a ser aplicada na Baía da Babitonga, provando que, quando há planejamento e vontade política, soluções inteligentes podem ser implementadas para benefício ambiental e logístico.
Gargalos Logísticos Persistem
Embora a modernização da Babitonga seja um avanço, a infraestrutura logística catarinense continua defasada. O Porto de São Francisco do Sul possui ligação ferroviária, mas ela não se estende ao oeste do estado, limitando sua integração multimodal. A Bacia do Rio Itajaí e Itapoá não têm ferrovia, enquanto Imbituba conta com uma ligação ferroviária extremamente limitada de apenas 164 km pela Ferrovia Tereza Cristina, projetada para transporte de carvão.
Historicamente, Itajaí já teve ligação ferroviária através da Estrada de Ferro Santa Catarina (EFSC), que conectava Blumenau ao porto. No entanto, a ferrovia foi desativada em 1971, deixando a cidade sem esse modal essencial para a competitividade portuária.
O problema se agrava com a dependência excessiva do transporte rodoviário. As cargas enfrentam os gargalos da BR-101, BR-282 e BR-376, sobrecarregadas pelo fluxo de caminhões. Sem uma ferrovia eficiente conectando os portos ao interior, Santa Catarina perde competitividade para estados que já possuem infraestrutura integrada.
A visão de quem sempre alertou
Marcelo Werner Salles, engenheiro com 35 anos de experiência em gestão portuária, conhece essa realidade de perto. Com passagens por Itajaí, São Francisco do Sul, Laguna, Santos e Rio de Janeiro, além de atuação na Secretaria Especial de Portos da Presidência da República, Salles alerta há anos que os navios crescem mais rápido do que a capacidade brasileira de se adaptar.
Essa defasagem impõe limites à competitividade catarinense. Se o estado estivesse realmente à frente do seu tempo, a Babitonga já teria dragagem contínua, berços preparados para navios de 400 metros, uma malha ferroviária eficiente e um hub logístico consolidado.
A hora de planejar e executar no tempo certo
O discurso precisa ser realista: antes tarde do que nunca. A modernização da Baía da Babitonga é um passo necessário, mas corrigir atrasos não pode ser tratado como mérito. O verdadeiro desafio é garantir que o estado não continue reagindo tardiamente às transformações do setor marítimo global.
Santa Catarina precisa deixar para trás o ciclo de atrasos e adotar um planejamento estratégico, técnico e executável. Antecipar as mudanças e não apenas reagir a elas deve ser o foco. Esse é o alerta que Marcelo Werner Salles vem fazendo há anos, e que precisa ser ouvido se o estado quiser garantir sua posição no cenário portuário internacional.